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“Os meus pensamentos tornaram-se venenosos” - O impacto do confinamento para quem vive sozinho

  • Foto do escritor: Marta Araújo
    Marta Araújo
  • 21 de fev. de 2021
  • 6 min de leitura

Atualizado: 23 de fev. de 2021

Tradução do artigo ‘My thoughts became poisonous’: the toll of lockdown when you live alone", publicado no site do jornal The Guardian a 20/02/2021.

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O isolamento social a longo prazo é tão prejudicial para a saúde como fumar 15 cigarros por dia. Como foi o último ano para aqueles que não partilham as suas casas?


Quando as primeiras notícias sobre o coronavírus começaram a surgir em janeiro de 2020, TJ, um habitante do sul de Londres com 25 anos, não ficou muito preocupado. “Agora parece incrível, mas pensei: “Sou jovem, sou saudável, não me vai fazer mal”. Quando o primeiro confinamento foi anunciado, o seu estado de espírito começou a mudar. Ele estava solteiro “há muito tempo” e a sua companheira de casa foi passar o confinamento com os pais, mas TJ sentiu o mesmo otimismo que muitos sentiram numa altura em que batíamos palmas todas as semanas e havia quizzes pelo Zoom. “Mas, naquele primeiro fim de semana, com o silêncio da casa e com tantas horas para preencher, fiquei com um pressentimento… mentalmente, de que não sabia como ficaria quando isto acabasse. Quatro semanas depois, a minha saúde mental começou a assustar-me a sério, não lidei mesmo nada bem com aquilo.”


TJ é uma de cerca de 7,7 milhões de pessoas no Reino Unido que viveram sozinhas durante a maioria do ano passado. “Não quero estar aqui a dizer que a minha ansiedade é mais grave”, disse TJ, “mas é diferente quando passamos por isto sozinhos”. Em novembro de 2020, o Instituto Nacional de Estatísticas publicou um estudo que mostrava que a solidão profunda tinha aumentado para níveis recorde, e que 8% dos adultos (cerca de 4,2 milhões de pessoas) dizem que se sentem “sempre ou muitas vezes sós” e que a faixa etária dos 16-29 anos tinha o dobro da probabilidade da faixa etária acima dos 70 ou mais anos de se sentir só durante a pandemia. “Nunca imaginei que o medo de ser excluído existisse agora que estamos todos em casa”, disse TJ, “mas quando estou no Instagram e vejo os meus amigos com os parceiros ou com os companheiros de casa, penso: ‘Quem me dera ter alguém. Sinto-me tão só.’”


Até pessoas que sempre gostaram de viver sozinhas sentiram a ausência de companhia quase como um sintoma físico. “Sentia-me sufocado”, disse Carl, um habitante de Derbyshire com 56 anos. Ele estava solteiro há cinco anos e gostava da liberdade e da espontaneidade que a situação lhe proporcionava. Carl despediu-se voluntariamente do seu emprego na área da informática em junho e, apesar de ao início o descanso lhe ter agradado, a novidade dos dias vazios começou a desaparecer. “Só me sinto assim de vez em quando. Durante duas semanas sinto-me bem e depois um dia acordo e sinto-me completamente só”.


Perder a distração do trabalho obrigou muita gente a fazer autorreflexões profundas. Brenda, de 71 anos, deu por si a acordar a meio da noite. “Não sou o tipo de pessoa que pensa na morte, mas de repente dei por mim a ter vontade de organizar os meus documentos e a deitar tralha fora por achar que não seria justo para as minhas filhas tratar disso se eu morresse. Todas as coisas que eu tinha ignorado por me rodear de pessoas passaram a ser uma prioridade”.


Tornou-se difícil ignorar esta sensação de incerteza mesmo quando era possível conviver com outras pessoas. “O que achei estranho, porque sempre fui muito sociável, foi quase ter perdido o jeito. Uma amiga minha fez 70 anos no verão passado e a filha dela deu uma festa. Na altura era permitido juntar 15 pessoas. Eu fiquei muito entusiasmada com a festa, mas no dia senti-me estranha”. Brenda sempre gostara de viver sozinha numa aldeia remota da Escócia, mas “o isolamento completo da sociedade é muito diferente”, disse ela. “À medida que o ano foi passando, senti muitas saudades das pessoas e passei por períodos muito depressivos”.


O isolamento social a longo-prazo aumenta o risco de mortalidade a um nível que se assemelha a fumar 15 cigarros por dia e as pessoas solitárias têm mais tendência a adotar mecanismos de defesa prejudiciais para a saúde. TJ começou a beber mais. “Chegou a um ponto em que eu pensava em termos de garrafas: ‘Será que mais uma garrafa de vinho me vai fazer sentir melhor ou pior?’ Durante a semana eu estava bem, continuei a trabalhar (como editor numa revista), por isso falava com os meus colegas, que adoro. Mas, assim que chegavam as 18h00 de sexta-feira e eu desligava o computador, tinha à minha frente um fim de semana vazio. Eu limpava o apartamento, ouvia a Donna Summer ou deitava-me no sofá de olhos fechados a tentar acalmar-me. Mas os meus pensamentos eram venenosos, pensava em coisas estúpidas como uma discussão que tive há muitos anos, ou nas más decisões que tomei e tinha a tentação de beber”.


Com o passar dos meses, o desconforto da solidão obrigou algumas pessoas a focar-se na sua saúde mental, apesar das ordens para permanecer em casa. “Eu desobedeci às regras algumas vezes”, disse Sarah de 29 anos que vive sozinha há dois anos e está solteira desde dezembro de 2019. Ela encontrou-se com amigos no exterior e nas casas deles, mas isso prejudicou as suas relações. “Alguns amigos disseram que eu estava a ser egoísta e irresponsável. Eu compreendo por que estavam zangados, mas os casais que passaram o confinamento juntos não fazem ideia do que é passar 23 horas sozinha a olhar para o WhatsApp ou para o Zoom”.


Carl fez várias visitas a uma familiar idosa durante o ano para lhe dar apoio. “Ouvi a voz dela a deteriorar-se por passar tanto tempo sozinha e pensei: ‘Porra para isto, vou visitá-la’”. Mas até esta decisão foi censurada e ele começou a afastar-se de amigos e até da família. “Fartei-me do julgamento das pessoas. Elas só olhavam para o umbigo delas… em muitos casos estavam em casa com o parceiro e com dois filhos”.


Para algumas pessoas, a solidão e a autorreflexão acabaram por ser uma dádiva. Dois meses depois do início do confinamento, TJ parou de beber. “Um dia acordei e pensei: ‘Certo, ninguém me vai salvar, tenho de aprender a estar sozinho com os meus pensamentos’”. Ele diz que isso o tornou mais resiliente. “Comecei a focar-me em objetivos mais pequenos, fiz a minha primeira corrida de cinco quilómetros, aprendi a pensar só no que se ia passar naquele dia e não no que ia acontecer daqui a um ano”.


A pressão do início do confinamento para encontrar um companheiro também acalmou. “Não me interprete mal, tenho saudades de ter encontros e de beijar alguém, mas não sinto a necessidade de ter uma relação”, disse TJ. “Na minha perspetiva, a comunidade LGBT+ foi reprimida durante muito tempo e os espaços em que podemos ser livres e apreciar-nos uns aos outros são muito importantes”.


Lauren tem trinta e poucos anos, vive sozinha e estava solteira há quase três anos quando começou a pandemia. Ela teve uma pequena epifania: apesar de adorar conhecer pessoas novas, a pressão para que cada encontro acabasse numa relação mais séria estava a fazê-la infeliz. Perto do final do primeiro confinamento, Lauren teve um encontro num cemitério de Londres com um bígamo viciado em sexo. “Numa altura normal, nunca teria acontecido porque sempre procurei relações monógamas”. No entanto, eles continuaram a encontrar-se durante o verão. Foi divertido e libertador, mas ela acabou o relacionamento quando foram impostas novas restrições: “Era isso, ou tinha de ir morar com ele e com as outras duas namoradas”.


Para Carl, a solidão também foi produtiva. “Obrigou-me a pensar bem sobre o que quero para o meu futuro. Antes da pandemia, eu vivia muito no presente e algumas pessoas achavam-me um pouco distante. Mas eu sei que não sou assim”. Agora ele gostava de ficar mais recetivo a uma relação. “Era bom ter alguém que acordasse ao meu lado, ou com quem pudesse ir passear, dar a mão, dar um abraço”.


Em março passado, Brenda tinha planos para se mudar para casa da filha mais velha para a ajudar após o nascimento do seu segundo filho. “Estávamos sempre à espera para ver o que acontecia, por isso, claro que perdi o nascimento e ainda não conheci o meu novo neto”. Ela diz que essa é uma das partes mais difíceis do confinamento, mas acrescenta: “Quero muito manter-me positiva”. O ano passado, o marido de uma das suas amigas faleceu. “Ele tinha muito medo da Covid. Não foi isso que o matou, mas entristece-me pensar que o medo ocupou uma parte tão grande do último ano dele. Abriu-me os olhos para o facto de eu ter 71 anos e de já não ter muitos anos para desperdiçar. É nisso que me estou a focar agora. Tenho feito caminhadas à beira-mar, admiro a natureza e tento viver ao máximo”.

 
 
 

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